Crítica: Bagdá Café
"Uma Interseção num Deserto de Possibilidades"
Por Carina Rabelo
A partir das primeiras cenas do filme “Bagdá Café”, do diretor alemão Percy Adlon, o apreciador percebe que se encontra diante de uma obra incomum. Cortes secos, câmera inclinada, filtros cromáticos e personagens caricaturais são algumas das escolhas estilísticas do diretor para a composição de um dos filmes mais aplaudidos pela crítica mundial. No deserto do Mojave, próximo a Las Vegas, encontra-se o complexo de estabelecimentos “Bagdá”: um posto de gasolina, um pequeno hotel e um café. A música interpretada por Javetta Steele expressa a atmosfera do local e das pessoas que ali residem. “Há uma estrada que vai de Vegas para nenhum lugar, um lugar melhor do que onde você já esteve”.
“Bagdá Café” oferece uma narrativa rica nos programas do drama e da comédia, especialmente devido a peculiar atuação de CCH Pounder, que interpreta Brenda, uma mulher amargurada e áspera que sustenta, dois filhos, um neto, dirige um bar decrépito e ainda ‘suporta’ os lapsos de um marido acomodado. Brenda luta pela mínima sobrevivência da sua propriedade e já não acredita mais que sua vida pode romper as barreiras das dificuldades e dos dissabores. Os recursos cinematográficos de enquadramento são fundamentais para que o apreciador possa usufruir das emoções vivenciadas pelos personagens. O super-close e os planos de detalhe são intensamente utilizados, os planos são curtos e o texto ganha um ritmo harmônico, assim como as músicas tocadas por Sal Jr., filho de Brenda, um indivíduo que compõe o universo artístico do Café. A trilha sonora é basicamente composta pela melancólica “I´m calling you”, com algumas intervenções clássicas estilizadas pelo piano nervoso de Sal Jr. e pela fiel reprodução da clássica “Ave Maria”, de Gounod. A obra utiliza alguns elementos do programa musical da Broadway, em cenas que, esteticamente, se assemelham aos tradicionais musicais que apresentam mulheres vestidas de homem, com cartolas e bengalas...e com a participação da platéia do Café nas composições.
O Café na beira da estrada funciona como um ponto de interseção na vida de sete personagens: Brenda, a desleixada proprietária do Bagdá Café, uma filha espirituosa e vulgar, um filho músico incompreendido em sua arte, um pintor cenografista hollywoodiano (interpretado pelo memorável Jack Palance), uma mulher que faz tatuagens, um jovem aficionado por boomerangs e uma forasteira enigmática... Jasmin Muenchstettner (Marianne Sagebrecht), uma alemã observadora, impossível de ser decifrada num simples contato superficial. É preciso conhecê-la e compartilhar do seu café forte e amargo e das suas mágicas. Deixar-se embalar pela sua alma solidária e atenta. Trata-se de uma mulher singular, que consegue captar aquilo que há de melhor em cada indivíduo que compõe a família do Café Bagdá. Uma criatura que através da mágica executa a maior das peripécias humanas: desvelar o enigma das personagens que dão vida àquele insólito ambiente. A proprietária da simplória cafeteira que proporciona o impulso para as reviravoltas na vida daqueles que ali residem.
O conjunto “Bagdá” é um estabelecimento incomum. Um estranho café que, inicialmente quase nada tem para oferecer aos seus clientes. Os quartos do hotel são simples. O posto de gasolina parece mais seco do que os carros que, eventualmente, por ali passam. Não há lucro financeiro, apenas uma possibilidade de sobrevivência. O espaço subsiste à espera de um milagre, como um ato de mágica que poderia revolucionar aquele quadro caótico e estéril.
A fotografia assume um caráter do beleza perante a aridez. Um eterno crepúsculo celeste, contemplado por dois notáveis pontos de luz, resultado do reflexo dos espelhos sobre o centro solar. Há um calor confortável, sustentado pela utilização de filtros amarelos e avermelhados nas lentes das câmera. Algumas cenas em slow motion proporcionam a contemplação da riqueza fotográfica.
A Jasmin, pouco feminina do início do enredo esbarra-se com a Brenda “masculinizada” nos entulhos do Café Bagdá. Há uma clara transformação e feminilização na vida destas personagens, que ganhou corpo com a superação das adversidades através do trabalho e da convivência. A figura do homem torna-se pífia perante a auto-suficiência destas duas mulheres, que descobrem que as perdas podem oferecer a verdadeira liberdade para a fruição integral da vida, em toda a sua plenitude.
Por Carina Rabelo
A partir das primeiras cenas do filme “Bagdá Café”, do diretor alemão Percy Adlon, o apreciador percebe que se encontra diante de uma obra incomum. Cortes secos, câmera inclinada, filtros cromáticos e personagens caricaturais são algumas das escolhas estilísticas do diretor para a composição de um dos filmes mais aplaudidos pela crítica mundial. No deserto do Mojave, próximo a Las Vegas, encontra-se o complexo de estabelecimentos “Bagdá”: um posto de gasolina, um pequeno hotel e um café. A música interpretada por Javetta Steele expressa a atmosfera do local e das pessoas que ali residem. “Há uma estrada que vai de Vegas para nenhum lugar, um lugar melhor do que onde você já esteve”.
“Bagdá Café” oferece uma narrativa rica nos programas do drama e da comédia, especialmente devido a peculiar atuação de CCH Pounder, que interpreta Brenda, uma mulher amargurada e áspera que sustenta, dois filhos, um neto, dirige um bar decrépito e ainda ‘suporta’ os lapsos de um marido acomodado. Brenda luta pela mínima sobrevivência da sua propriedade e já não acredita mais que sua vida pode romper as barreiras das dificuldades e dos dissabores. Os recursos cinematográficos de enquadramento são fundamentais para que o apreciador possa usufruir das emoções vivenciadas pelos personagens. O super-close e os planos de detalhe são intensamente utilizados, os planos são curtos e o texto ganha um ritmo harmônico, assim como as músicas tocadas por Sal Jr., filho de Brenda, um indivíduo que compõe o universo artístico do Café. A trilha sonora é basicamente composta pela melancólica “I´m calling you”, com algumas intervenções clássicas estilizadas pelo piano nervoso de Sal Jr. e pela fiel reprodução da clássica “Ave Maria”, de Gounod. A obra utiliza alguns elementos do programa musical da Broadway, em cenas que, esteticamente, se assemelham aos tradicionais musicais que apresentam mulheres vestidas de homem, com cartolas e bengalas...e com a participação da platéia do Café nas composições.
O Café na beira da estrada funciona como um ponto de interseção na vida de sete personagens: Brenda, a desleixada proprietária do Bagdá Café, uma filha espirituosa e vulgar, um filho músico incompreendido em sua arte, um pintor cenografista hollywoodiano (interpretado pelo memorável Jack Palance), uma mulher que faz tatuagens, um jovem aficionado por boomerangs e uma forasteira enigmática... Jasmin Muenchstettner (Marianne Sagebrecht), uma alemã observadora, impossível de ser decifrada num simples contato superficial. É preciso conhecê-la e compartilhar do seu café forte e amargo e das suas mágicas. Deixar-se embalar pela sua alma solidária e atenta. Trata-se de uma mulher singular, que consegue captar aquilo que há de melhor em cada indivíduo que compõe a família do Café Bagdá. Uma criatura que através da mágica executa a maior das peripécias humanas: desvelar o enigma das personagens que dão vida àquele insólito ambiente. A proprietária da simplória cafeteira que proporciona o impulso para as reviravoltas na vida daqueles que ali residem.
O conjunto “Bagdá” é um estabelecimento incomum. Um estranho café que, inicialmente quase nada tem para oferecer aos seus clientes. Os quartos do hotel são simples. O posto de gasolina parece mais seco do que os carros que, eventualmente, por ali passam. Não há lucro financeiro, apenas uma possibilidade de sobrevivência. O espaço subsiste à espera de um milagre, como um ato de mágica que poderia revolucionar aquele quadro caótico e estéril.
A fotografia assume um caráter do beleza perante a aridez. Um eterno crepúsculo celeste, contemplado por dois notáveis pontos de luz, resultado do reflexo dos espelhos sobre o centro solar. Há um calor confortável, sustentado pela utilização de filtros amarelos e avermelhados nas lentes das câmera. Algumas cenas em slow motion proporcionam a contemplação da riqueza fotográfica.
A Jasmin, pouco feminina do início do enredo esbarra-se com a Brenda “masculinizada” nos entulhos do Café Bagdá. Há uma clara transformação e feminilização na vida destas personagens, que ganhou corpo com a superação das adversidades através do trabalho e da convivência. A figura do homem torna-se pífia perante a auto-suficiência destas duas mulheres, que descobrem que as perdas podem oferecer a verdadeira liberdade para a fruição integral da vida, em toda a sua plenitude.
O quase estreante diretor Fernando Meirelles conseguiu realizar uma obra fílmica tão polêmica, que tornou-se impossível alguém permanecer indiferente a Cidade de Deus, filme inspirado no livro homônimo, que estreiou recentemente nas principais salas de cinema de todo o país. A história é relatada pelo personagem Buscapé, um garoto que cresceu no conjunto habitacional Cidade de Deus, um local construído na década de 60 para abrigar aquels que perderam suas casas com as enchentes - um universo de desolados pelas tragédias, reunidos num único espaço. Buscapé nos apresenta a trama numa narrativa documental, relatando os principais fatos que estruturaram a realidade do local. Os efeitos no público são particulamente curiosos. O roteiro provoca reações que transitam da indignação ao riso, através de um programa que oferece amplas possibilidades à apreciação.
Nas primeiras cenas de Hana-Bi, o espectador pode pensar que encontra-se diante de mais um filme policial padrão, com direito a todo o pacote de tiroteios, explosivos e sangue. Mas, curiosamente, a violência na qual a narrativa se propõe a retratar nesta obra apenas serve como o pano de fundo para um roteiro que prioriza os dramas humanos, na perspectiva de um diretor inovador, numa linguagem incomum. O filme, estrelado, escrito e dirigido por Takeshi Kitano, entitulado em português como “Fogos de Artifício” foi premiado com o leão de ouro na categoria de melhor filme no Festival de Veneza de 1997. Também responsável pela montagem, Takeshi elaborou uma obra peculiar no gênero de ação. Nishi, personagem interpretado por Kitano, perdeu sua filha com cinco anos, sofre por ter uma mulher com câncer e luta para fazer justiça aos seus companheiros: Tanaka, assassinado pelos gângsters da máfia japonesa Yazuca, e Horibe, que ficou paraplégico após um tiroteio com os mesmos mafiosos. Até aí, mais um argumento fílmico tradicional, semelhante a qualquer romance policial de Hollywood. O diferencial de Hana-Bi está justamente na forma em que o argumento é desenvolvido.
Um filho. Uma esposa. Uma família que se perdeu no tempo. A busca das origens e a longa jornada pelos caminhos desérticos do Texas. É nesse contexto que o diretor Wim Wenders apresenta “Paris,Texas”, um filme que revela um homem à procura da sua identidade, alguém que tudo perdeu e que sobrevive alimentando-se do seu vazio espiritual. O personagem Travis (Harry Dean Stanton) encontra-se perdido na árida paisagem desoladora dos desertos texanos, devoluto e inabitado cenário que reflete a alma do personagem, desprovido de sensações. Desmaiando desidratado, o solitário andarilho é transportado para um posto médico da região. Seu irmão, Chuck , que não o vê há quatro anos, vai ao seu encontro. Ao encontrá-lo após tanto tempo, Travis nada demonstra, apenas o desejo de caminhar para o nada em busca de coisa nenhuma. Chuck persiste e acaba convencendo-o a acompanhá-lo até sua residência em Los Angeles, onde mora Hunter, um garoto de sete anos, filho de Travis, que pouco se lembra do pai e que foi abandonado pela mãe. A trama se desenrola quando Travis começa a ter o interesse em provar para o garoto que é o seu pai verdadeiro, e o mais desafiador: fazer o menino sentir-se como seu filho. Durante o processo de conquista entre pai e filho, ambos saem em viagem na tentativa de encontrar Jane, mãe de Hunter, a única que pode preencher a lacuna existencial de suas vidas. Na trajetória do vago e misterioso Travis, Wim Wenders nos convida à análise das raízes que compõem os dramas humanos, nos mais simples e complexos acontecimentos que formatam nossas histórias.
Um bosque silencioso e taciturno. Uma arma voltada para a câmera. Um tiro. Violinos nervosos embalam a cena. Um homem corre, louco e ofegante pelo bosque que, repentinamente, torna-se palco de uma tempestade inexplicável. Suspiros e desorientação. O homem encontra-se perdido... mas há uma luz no fim do bosque. São policiais. O desorientado sujeito não possui documentos, então, é encaminhado para a delegacia - um estranho local distante e misterioso, semelhante a um castelo abandonado e sombrio. Nada há, apenas policiais e um delegado. Nesse cenário de obscuridade, Giuseppe Tornatore apresenta ‘Uma Simples Formalidade’, estrelado por Gérard Depardieu e Roman Polanski, uma história policial que rompe com a expectativa tradicional de uma narrativa de suspense.
1941. Os alemães invadem Belgrado, anunciando o início da Segunda Guerra Mundial. Três anos depois, os russos bombardeiam a cidade, dominada por alemães. Assim nos é apresentada a Iugoslávia de Emir Kusturica, premiado com Palma de Ouro no festival de Cannes em 1984 pelo filme “Quando papai saiu em viagem de negócios” e diretor de “Underground”, filme vencedor da Palma de Ouro de Cannes, em 1995. Apesar do estilo caricatural dos personagens, o espectador encontra-se diante de uma obra curiosamente complexa. Natalija, uma mulher frívola e escandalosa, Marko, um facínora manipulador, Crni, um fanático estabanado, Ivan, um simplório gago e Jovan, uma espécie de menino criado em “laboratório” que experimentará o mundo pela primeira vez aos 21 anos, estruturam um elenco que compartilha um único espaço – um porão – um refúgio numa guerra de massacres e destruições. A relação entre os personagens compõem o programa de humor, que predomina durante toda a narrativa, pois a II Guerra Mundial é apresentada como pano de fundo nos conflitos das relações entre estes personagens. Os amigos Crni e Marko dividem a mesma mulher e os anseios de uma guerra... que vai muito além das questões internacionais que envolvem fascistas, nazistas e comunistas. É uma guerra sobre a identidade de um povo, a luta pela sobrevivência daqueles que precisam de uma revolução grandiosa para que possam dividir, não só um porão, mas uma razão para viver.
Nascido em 24 de Novembro de 1954, em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, desde 1986 tem atuado como músico, tocando baixo na banda iugoslava de tecno-rock “No Smoking”. Um pouco antes da guerra nos Balcãs estourar no início dos anos 90, o líder da banda Nele Karajilic mudou-se para Belgrado em 1994 e formou uma nova banda com músicos mais jovens, incluindo o bateirista Stribor Kusturica, filho de Emir. Em 1998, “No Smoking” compôs a trilha para o filme de Kusturica “Black Cat, White Cat”, vencedor do leão de prata do festival de Veneza do mesmo ano. Em 1999, “No Smoking” gravou um novo álbum “Unza Unza Time”, produzido pela gravadora Universal, assim como um vídeo clipe para a MTV, dirigido pelo prórpio Emir Kusturica.
A obra se fundamenta sob três dimensões básicas: o mundo dos anjos x o mundo dos humanos ; a crônica da cidade de Berlim e uma história de amor entre um anjo e uma trapezista. A dimensão estética sensorial se verifica através do uso de determinados dispositivos estratégicos, como o preto e branco (instância dos anjos) e as cores (instância dos humanos). O efeito principal dentro do programa narrativo é o de contemplação. Os planos longos, a narrativa lírico-poética e a trilha sonora lírica e sombria compõem o quadro de recursos utilizados para a contemplação, que requer uma “perda de tempo” na narrativa - uma estrutura eficaz para a observação dos detalhes do filme, para a apreciação da trilha. Um tipo de filme para um apreciador de segundo-nível, que “usa” e “usufrui” a obra, visando um entendimento amplo e detalhista. A cronologia do filme torna-se deduzível através de uma única alusão temporal: a última apresentação da personagem Marion no circo - a trama se desenrola em dois dias.

