segunda-feira, agosto 02, 2004

Crítica: Paris Texas

"Um ponto de partida para uma nova existência"

Por Carina Rabelo

Um filho. Uma esposa. Uma família que se perdeu no tempo. A busca das origens e a longa jornada pelos caminhos desérticos do Texas. É nesse contexto que o diretor Wim Wenders apresenta “Paris,Texas”, um filme que revela um homem à procura da sua identidade, alguém que tudo perdeu e que sobrevive alimentando-se do seu vazio espiritual. O personagem Travis (Harry Dean Stanton) encontra-se perdido na árida paisagem desoladora dos desertos texanos, devoluto e inabitado cenário que reflete a alma do personagem, desprovido de sensações. Desmaiando desidratado, o solitário andarilho é transportado para um posto médico da região. Seu irmão, Chuck , que não o vê há quatro anos, vai ao seu encontro. Ao encontrá-lo após tanto tempo, Travis nada demonstra, apenas o desejo de caminhar para o nada em busca de coisa nenhuma. Chuck persiste e acaba convencendo-o a acompanhá-lo até sua residência em Los Angeles, onde mora Hunter, um garoto de sete anos, filho de Travis, que pouco se lembra do pai e que foi abandonado pela mãe. A trama se desenrola quando Travis começa a ter o interesse em provar para o garoto que é o seu pai verdadeiro, e o mais desafiador: fazer o menino sentir-se como seu filho. Durante o processo de conquista entre pai e filho, ambos saem em viagem na tentativa de encontrar Jane, mãe de Hunter, a única que pode preencher a lacuna existencial de suas vidas. Na trajetória do vago e misterioso Travis, Wim Wenders nos convida à análise das raízes que compõem os dramas humanos, nos mais simples e complexos acontecimentos que formatam nossas histórias.

Uma relação obsessiva

As últimas referências do quase amnésico Travis estão relacionadas à sua bela e jovem esposa Jane, e um agradável verão desfrutado pela família. Os fatores que revelam a essência da crise de Travis e as razões do seu desaparecimento ao longo de quatro anos são apenas revelados no final da trama, mas, curiosamente, o apreciador não sente carência por explicações. O argumento do filme se apresenta pelos pequenos detalhes que permeiam as transformações de Travis, de um indivíduo fracassado e insípido num homem em busca de respostas através das suas origens. A metáfora ‘Paris, Texas’ nos remete a um conceito-chave para a compreensão do enredo. Concebido pelos seus pais na pequena cidade chamada Paris, no estado do Texas, Travis faz alusões ao comportamento, por vezes obsessivo, do seu pai, que insistia em dizer que conheceu sua esposa em Paris, complementado pausadamente com a referência ao Texas. Era um homem que queria travestir sua humilde mulher como uma dama sofisticada, uma típica parisiense. Um conceito que destaca nas relações humanas a tendência à idealização e à não aceitação do outro em sua essência. Um caminho que nos guia à percepção de um encadeamento de vícios de comportamento, culminando em atitudes passionais obsessivas. Há uma clara necessidade de exorcização da origem humilde, hispânica, comum... apenas assim o presente poderia ser suportável. Um lote vazio na velha Paris metaforiza a tentativa de ruptura com um passado que lhe persegue e não lhe agrada.

O sentimento de desolação da personagem principal é temperado pela trilha composta por Ry Cooder, que apresenta guitarras simulando banjos e bandolins, nos transportando ao seco e áspero deserto do Texas. O tempo ficcional é desenvolvido linearmente, mas não é proporcional ao tempo físico, demandado pelas ações dos personagens. Cruzar os Estados Unidos no roteiro Texas – Los Angeles – Texas – Houston nunca foi tão rápido de carro. Alguns planos são particularmente longos, em destaque para aqueles que envolvem o garoto Hunter e seu “novo” pai, onde percebe-se a necessidade de uma observação contemplativa e detalhada. Os movimentos de câmera amplos e lentos proporcionam a sensação de um espaço vago e ilimitado.

Os atores se encaixam na trama em perfeita harmonia, numa combinação de boas escolhas. A bela Natassja Kinski representa Jane – a chave para as crises de loucura e depressão vivenciadas pelo enciumado Travis. O argumento do filme se confirma na homogeneidade do composto amor x obsessão, onde análises sociais ou políticas não são apontadas pelo enredo. É uma história de paixões, intensidades, loucuras, medos, fragilidades e fuga, mas acima de tudo, uma solicitação à procura das vicissitudes dos prazeres e arrebatamentos humanos.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Parabéns Carina!
ótima crítica, acabei de ver o filme e acho que vc o interpretou muito bem com seu texto... =)
pra mim a síntese desse sentimento solitário do travis é aquela cena que ele hesita em entrar no carro porque quer caminhar pela linha do trem para... não sei onde (e acho que nem ele sabe)
bjos!
kadu
msn: carlos_gregorio@hotmail.com

21 de junho de 2009 às 21:40  
Anonymous Anônimo said...

Parabéns Carina!
ótima crítica, acabei de ver o filme e acho que vc o interpretou muito bem com seu texto... =)
pra mim a síntese desse sentimento solitário do travis é aquela cena que ele hesita em entrar no carro porque quer caminhar pela linha do trem para... não sei onde (e acho que nem ele sabe)
bjos!
kadu
msn: carlos_gregorio@hotmail.com

21 de junho de 2009 às 21:40  
Anonymous Fernando said...

Bela crítica! Análise completa do filme.

6 de agosto de 2009 às 12:00  

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