Análise: Encouraçado Potenkim
Por Carina Rabelo
“O que importava para Eisenstein não era a reprodução naturalista do mundo sensível, mas a articulação de imagens entre si, de modo que a sua contraposição ultrapassasse a mera evidência dos fatos, gerando sentido”.
Com esta afirmação, o crítico cinematográfico Arlindo Machado define com clareza a essência da obra de Eisenstein. Para o cineasta, a produção de sentido se configura na forma, no modo como se conta uma história. Desta maneira, Eisenstein consegue provocar sensações através da materialidade fílmica e do jogo rítmico proporcionado pela montagem. Toda a produção de sentido na seqüência da ‘Escadaria de Odessa’ se fundamenta na linguagem simbólica, habilmente ilustrada pela utilização de elementos de contraste – um plano como o negativo do outro – e nos recursos metafóricos.
Através da descontinuidade, Eisenstein brinca com a “realidade” e inaugura um estilo de montagem que inverte fluxos de movimentos e surpreende o expectador a cada cena. “Eu não sou realista, sou materialista, acredito que a matéria provoca em nós sensações”, já dizia o cineasta.
A seqüência “A Escadaria de Odessa” tem 11 minutos. Nela se desenrola o massacre do povo de Odessa pelos cossacos - guarda imperial do Czar russo. Mulheres, crianças e homens desarmados são aniquilados sem qualquer economia dramática. Eisenstein procura mostrar simbolicamente como se inicia e desenrola a revolução socialista. As referências à estratificação social russa e a utilização de diversos signos simbólicos faz com que se reproduza em torno do filme todo o movimento social do país.
Tudo começa com os barcos da cidade se dirigindo até o Potemkin para levar suprimentos aos marinheiros. Na seqüência dos barcos, além dos diversos enquadramentos explorados (principalmente os planos geral e de detalhe), percebe-se que a câmara vai para o lado esquerdo enquanto os barcos encaminham-se para o lado direito, o que gera um ‘estranhamento’ visual, como já comentava Arlindo Machado no texto.
Na seqüência seguinte, quando já aparecem os moradores de Odessa acenando para o Potemkin, percebe-se uma contradição da realidade, pois os barcos com suprimentos navegam por um longo caminho até chegar ao Encouraçado, o que prova que a embarcação ainda está em alto-mar, e bem longe dos moradores. Mas as pessoas acenam como se o navio estivesse bem próximo a elas. Portanto, comprova-se nesta seqüência a observação feita por Arlindo Machado.
“Eisenstein não estava interessado na verossimilhança dos eventos: interpretar a história era para ele mais importante do que simplesmente restituí-la”.
A escolha das vestimentas em clara oposição entre o preto e o branco ilustra a intenção dialética da narrativa. A utilização de metáfora também é constante em toda a seqüência. No momento em que os barcos chegam ao Potemkin, há um sincronismo entre os gestos de reverência dos cidadãos e o “descer da vela” dos barcos que se aproximam da “grande embarcação”.
Apesar de a cena anterior ocorrer em alto-mar, abruptamente, surgem os moradores da cidade já tendo acesso ao Potemkin. O corte “engole” a chegada do navio ao cais. A economia de “imagens desnecessárias” contribui para que a seqüência não se renda à monotonia.
Ainda nas manifestações de acolhimento da população, registra-se a presença de membros de todas as classes sociais e de todas as idades. Crianças, velhos, adultos, pobres, ricos, brancos e, até mesmo um negro deficiente, unem-se para saudar o Encouraçado, que se apresenta neste momento como o símbolo de uma “Rússia Unida”, onde não há distinção de classes. A criança apreensiva é aconselhada pela mãe a saudar a embarcação. Nesta cena, há um corte para a bandeira branca hasteada no Potemkin, como um ícone de paz. A criança então presta as homenagens. Mais uma vez, destaca-se a presença do jogo metafórico.
No momento da chegada dos cossacos não se vê os soldados, mas a trilha sonora encarrega-se de produzir o efeito do tiro, que, abruptamente, abate um dos cidadãos. Uma mulher com um guarda-chuva branco corre até a câmera e ‘cobre’ a cena, como se solicitasse aos expectadores “proteção”, diante da iminência do massacre.
Surgem então os cossacos. A câmara os registra de costas, em 2º plano a uma estátua negra que parece os abraçar. A estátua poderosa simboliza o poder central, o Czar. Encurralados, os moradores de Odessa correm em direção ao mar. Na queda de dois homens atingidos pelos tiros cruéis, a câmara registra a mesma cena por dois ângulos distintos, enquanto uma criança fica cercada pelos corpos caídos, absolutamente sem saída.
Uma seqüência brilhante de enquadramento mostra uma câmara suspensa que corre pelas escadarias e acompanha o movimento nervoso dos cidadãos encurralados. Como não havia trilhos de travelling e muito menos gruas, são surpreendentes as possibilidades exploradas por Eisenstein, que utilizou com maestria a câmera subjetiva nesta seqüência. Nota-se também aí o descarte da verossimilhança, uma vez que a escada parece nunca acabar, pois as pessoas correm e não chegam a lugar nenhum (o contraposição entre o tempo da narrativa e o tempo da realidade).
O jogo de oposições em conflito, apontado por Arlindo Machado, fica claro no momento em que os cidadãos em pânico correm em direções contrárias e atravessadas. Não há mais união aqui, pois cada um luta famigeradamente pela sua própria sobrevivência. O pavor é tamanho que até mesmo uma mãe, que tenta fugir com o filho da mira das baionetas sanguinárias, apenas percebe que a criança ficou para trás após algum tempo. Nesta cena, um inesquecível semblante surge no rosto daquela mulher, que presencia o desfalecimento do seu filho e o posterior atropelamento do corpo pelos demais, que ainda têm esperança de permanecerem vivos. É comum o close no rosto dos cidadãos, mas não se vê o rosto dos cossacos, pois eles não são personagens em si, são apenas símbolos de um sistema político vigente, opressor e cruel.
Surge então uma das mais belas cenas do filme. A mãe, em prantos com o seu filho ferido no colo, solicita aos cossacos que poupem a população. A cena, numa perspectiva alegórica, faz uma clara referência ao fato histórico real conhecido como o “estopim da revolução russa”. O faminto e miserável povo russo acreditava que o Czar Nicolau II não sabia que eles passavam fome e viviam na miséria. Portanto, decidiram escrever uma carta mostrando-lhe a situação, na esperança de que o imperador se sensibilizasse e os ajudasse. No entanto, ao receber a carta, o Czar considerou a iniciativa uma insolência e ordenou aos cossacos o imediato extermínio de todos. Os cossacos se postaram e, ao grito de permissão para atirar, massacraram toda a população. A cavalaria completou o extermínio cegando, com furos nos olhos as crianças e mutilando o ventre das mulheres grávidas. A seqüência da Escadaria de Odessa faz uma representação exitosa deste fato histórico.
Os cossacos se aproximam impiedosos numa marcha única e quase robótica. A mulher esbarra-se com a sombra dos soldados que, justapostas, formam uma espécie de grade negra. Ela, espontânea como o povo, chora e solicita por trégua. Os soldados, frios e impessoais como o estado russo, desprezam a solicitação. Como diz Arlindo Machado:
“O movimento que comanda as botas dos soldados do Czar não é o resultado da soma das selvagerias individuais, mas o efeito de uma ordem (social e política), ela própria monolítica, hierárquica e autoritária”. Apenas aí são apresentados os personagens cruéis ao expectador. Após o fuzilamento da mãe desesperada, surge a legenda: “Os Cossacos”, o que presume que o termo em si já explica historicamente a crueldade narrada.
Outro recurso metafórico é utilizado na cena da mãe que leva o seu bebê num carrinho. Quando recebe um tiro na barriga, a mãe, num ato de absoluta consternação, passa a mão sobre o seu ventre e, num olhar de desalento, presume a inevitável morte do seu filho, que estará desprotegido a partir de então. Mesmo sob a ameaça generalizada, os cidadãos mostram-se estarrecidos e indignados com o deslizamento gradual do carrinho de bebê pelas escadas, mostrando que, mesmo nas piores situações, há solidariedade entre os humildes.
A única cena em que aparece o rosto de um cossaco é justamente no assassinato do bebê, quando o soldado dá um golpe fatal na câmera, como se liquidasse o próprio expectador com o gesto cruel.
Mais uma vez, utilizando o recurso de economia das imagens, a montagem deixa implícito que não havia sobrevivido nenhum cidadão em Odessa, quando surge o Encouraçado Potemkin e destrói toda a cidade. Subentende-se assim que apenas os cossacos estariam vivos para serem destruídos pela ira dos canhões da embarcação. Alegoricamente, pode-se interpretar a partir desta seqüência que a guerra entre o Estado e o povo levará, inevitavelmente, à destruição de ambos.
“As intervenções abruptas e violentas da montagem eisensteiniana quebram a ‘objetividade’ simulada, comprometendo portanto a ilusão de ‘realidade’: a técnica aparece, os recursos se mostram abertamente, o cinema se exibe como produção de sentido”.
A Importância de Eisenstein no Cinema
Eisenstein é considerado uma das grandes referências da técnica da montagem no cinema, sendo a mesma responsável pelo vigor dramático de seus filmes. O cineasta propõe o uso constante da montagem por ele chamada de intelectual, a qual propunha o conflito e a justaposição de planos significativos paralelos.
Foi o precursor da oposição à narrativa e à estética clássica naturalistas. A estrutura convencional dos filmes de sua época seria substituída pela “montagem intelectual” ou “pensamento sensorial”. Neste tipo de montagem, Eisenstein introduz metáforas e elementos simbólicos na linguagem cinematográfica.
Através do manifesto “Perspectivas”, Eisenstein propõe a justaposição de imagens como uma maneira de expressão. Além disso, fez experimentos na linha de Pavlov, utilizando os recursos materiais do filme para explorar a biomecânica, como uma espécie de “espontaneidade condicionada”, testando a reação dos expectadores. Isto nunca havia sido feito no cinema.
Eisenstein também introduziu a idéia de que o efeito provocado pela justaposição de imagens é maior do que a soma destas imagens, por isso valorizava tanto as montagens. Ele também introduziu os pensamentos da dialética de Hegel nas suas produções cinematográficas. Ele foi o grande construtor de conceitos abstratos partindo de elementos concretos.
Em 1926 a Academia Americana de Artes elegeu o Encouraçado Potemkin como o "melhor filme do mundo" e em 1958, a Exposição Internacional de Bruxelas considerou-o "melhor filme de todos os tempos e de todos os povos". Estas homenagens elevam Eisenstein ao rol dos grandes ícones da história do cinema e o caracteriza como o pai da montagem inteligente.
Impressões pessoais
Acho incrível a combinação de símbolos nesta obra, principalmente quando levamos em consideração que ela foi realizada no início do século XX. Apesar de podermos perceber as técnicas inauguradas pelo Potemkin aperfeiçoadas na atual produção cinematográfica, talvez, a abundância dos atuais recursos técnicos tente substituir o papel da dimensão simbólica na arte cinematográfica, ao contrário de enriquecer as possibilidades exploradas por Eisenstein.
Neste filme, acho que o cineasta faz uma boa crítica da violência, tratando-a como uma espécie de aberração que deve ser socialmente recusada, ao contrário da produção americana, que coloca a violência como uma característica essencial do homem.
Gosto da idéia de não existir um único herói no Potemkin, já que no filme o herói é a massa, o povo, a coletividade. Estamos acostumados com filmes de Hollywood, onde os heróis são "personalizados" num formato quase caricatural. Quando vi pela primeira vez o Encouraçado Potemkin, não tinha muita maturidade para fruir a obra. Agora, me considero mais capaz de analisá-la. Porém, até hoje, permanece a aflição com a cena do carrinho de bebê, talvez já como um resultado dos reflexos condicionados explorados pelo cineasta.
“O que importava para Eisenstein não era a reprodução naturalista do mundo sensível, mas a articulação de imagens entre si, de modo que a sua contraposição ultrapassasse a mera evidência dos fatos, gerando sentido”.
Com esta afirmação, o crítico cinematográfico Arlindo Machado define com clareza a essência da obra de Eisenstein. Para o cineasta, a produção de sentido se configura na forma, no modo como se conta uma história. Desta maneira, Eisenstein consegue provocar sensações através da materialidade fílmica e do jogo rítmico proporcionado pela montagem. Toda a produção de sentido na seqüência da ‘Escadaria de Odessa’ se fundamenta na linguagem simbólica, habilmente ilustrada pela utilização de elementos de contraste – um plano como o negativo do outro – e nos recursos metafóricos.
Através da descontinuidade, Eisenstein brinca com a “realidade” e inaugura um estilo de montagem que inverte fluxos de movimentos e surpreende o expectador a cada cena. “Eu não sou realista, sou materialista, acredito que a matéria provoca em nós sensações”, já dizia o cineasta.
A seqüência “A Escadaria de Odessa” tem 11 minutos. Nela se desenrola o massacre do povo de Odessa pelos cossacos - guarda imperial do Czar russo. Mulheres, crianças e homens desarmados são aniquilados sem qualquer economia dramática. Eisenstein procura mostrar simbolicamente como se inicia e desenrola a revolução socialista. As referências à estratificação social russa e a utilização de diversos signos simbólicos faz com que se reproduza em torno do filme todo o movimento social do país.
Tudo começa com os barcos da cidade se dirigindo até o Potemkin para levar suprimentos aos marinheiros. Na seqüência dos barcos, além dos diversos enquadramentos explorados (principalmente os planos geral e de detalhe), percebe-se que a câmara vai para o lado esquerdo enquanto os barcos encaminham-se para o lado direito, o que gera um ‘estranhamento’ visual, como já comentava Arlindo Machado no texto.
Na seqüência seguinte, quando já aparecem os moradores de Odessa acenando para o Potemkin, percebe-se uma contradição da realidade, pois os barcos com suprimentos navegam por um longo caminho até chegar ao Encouraçado, o que prova que a embarcação ainda está em alto-mar, e bem longe dos moradores. Mas as pessoas acenam como se o navio estivesse bem próximo a elas. Portanto, comprova-se nesta seqüência a observação feita por Arlindo Machado.
“Eisenstein não estava interessado na verossimilhança dos eventos: interpretar a história era para ele mais importante do que simplesmente restituí-la”.
A escolha das vestimentas em clara oposição entre o preto e o branco ilustra a intenção dialética da narrativa. A utilização de metáfora também é constante em toda a seqüência. No momento em que os barcos chegam ao Potemkin, há um sincronismo entre os gestos de reverência dos cidadãos e o “descer da vela” dos barcos que se aproximam da “grande embarcação”.
Apesar de a cena anterior ocorrer em alto-mar, abruptamente, surgem os moradores da cidade já tendo acesso ao Potemkin. O corte “engole” a chegada do navio ao cais. A economia de “imagens desnecessárias” contribui para que a seqüência não se renda à monotonia.
Ainda nas manifestações de acolhimento da população, registra-se a presença de membros de todas as classes sociais e de todas as idades. Crianças, velhos, adultos, pobres, ricos, brancos e, até mesmo um negro deficiente, unem-se para saudar o Encouraçado, que se apresenta neste momento como o símbolo de uma “Rússia Unida”, onde não há distinção de classes. A criança apreensiva é aconselhada pela mãe a saudar a embarcação. Nesta cena, há um corte para a bandeira branca hasteada no Potemkin, como um ícone de paz. A criança então presta as homenagens. Mais uma vez, destaca-se a presença do jogo metafórico.
No momento da chegada dos cossacos não se vê os soldados, mas a trilha sonora encarrega-se de produzir o efeito do tiro, que, abruptamente, abate um dos cidadãos. Uma mulher com um guarda-chuva branco corre até a câmera e ‘cobre’ a cena, como se solicitasse aos expectadores “proteção”, diante da iminência do massacre.
Surgem então os cossacos. A câmara os registra de costas, em 2º plano a uma estátua negra que parece os abraçar. A estátua poderosa simboliza o poder central, o Czar. Encurralados, os moradores de Odessa correm em direção ao mar. Na queda de dois homens atingidos pelos tiros cruéis, a câmara registra a mesma cena por dois ângulos distintos, enquanto uma criança fica cercada pelos corpos caídos, absolutamente sem saída.
Uma seqüência brilhante de enquadramento mostra uma câmara suspensa que corre pelas escadarias e acompanha o movimento nervoso dos cidadãos encurralados. Como não havia trilhos de travelling e muito menos gruas, são surpreendentes as possibilidades exploradas por Eisenstein, que utilizou com maestria a câmera subjetiva nesta seqüência. Nota-se também aí o descarte da verossimilhança, uma vez que a escada parece nunca acabar, pois as pessoas correm e não chegam a lugar nenhum (o contraposição entre o tempo da narrativa e o tempo da realidade).
O jogo de oposições em conflito, apontado por Arlindo Machado, fica claro no momento em que os cidadãos em pânico correm em direções contrárias e atravessadas. Não há mais união aqui, pois cada um luta famigeradamente pela sua própria sobrevivência. O pavor é tamanho que até mesmo uma mãe, que tenta fugir com o filho da mira das baionetas sanguinárias, apenas percebe que a criança ficou para trás após algum tempo. Nesta cena, um inesquecível semblante surge no rosto daquela mulher, que presencia o desfalecimento do seu filho e o posterior atropelamento do corpo pelos demais, que ainda têm esperança de permanecerem vivos. É comum o close no rosto dos cidadãos, mas não se vê o rosto dos cossacos, pois eles não são personagens em si, são apenas símbolos de um sistema político vigente, opressor e cruel.
Surge então uma das mais belas cenas do filme. A mãe, em prantos com o seu filho ferido no colo, solicita aos cossacos que poupem a população. A cena, numa perspectiva alegórica, faz uma clara referência ao fato histórico real conhecido como o “estopim da revolução russa”. O faminto e miserável povo russo acreditava que o Czar Nicolau II não sabia que eles passavam fome e viviam na miséria. Portanto, decidiram escrever uma carta mostrando-lhe a situação, na esperança de que o imperador se sensibilizasse e os ajudasse. No entanto, ao receber a carta, o Czar considerou a iniciativa uma insolência e ordenou aos cossacos o imediato extermínio de todos. Os cossacos se postaram e, ao grito de permissão para atirar, massacraram toda a população. A cavalaria completou o extermínio cegando, com furos nos olhos as crianças e mutilando o ventre das mulheres grávidas. A seqüência da Escadaria de Odessa faz uma representação exitosa deste fato histórico.
Os cossacos se aproximam impiedosos numa marcha única e quase robótica. A mulher esbarra-se com a sombra dos soldados que, justapostas, formam uma espécie de grade negra. Ela, espontânea como o povo, chora e solicita por trégua. Os soldados, frios e impessoais como o estado russo, desprezam a solicitação. Como diz Arlindo Machado:
“O movimento que comanda as botas dos soldados do Czar não é o resultado da soma das selvagerias individuais, mas o efeito de uma ordem (social e política), ela própria monolítica, hierárquica e autoritária”. Apenas aí são apresentados os personagens cruéis ao expectador. Após o fuzilamento da mãe desesperada, surge a legenda: “Os Cossacos”, o que presume que o termo em si já explica historicamente a crueldade narrada.
Outro recurso metafórico é utilizado na cena da mãe que leva o seu bebê num carrinho. Quando recebe um tiro na barriga, a mãe, num ato de absoluta consternação, passa a mão sobre o seu ventre e, num olhar de desalento, presume a inevitável morte do seu filho, que estará desprotegido a partir de então. Mesmo sob a ameaça generalizada, os cidadãos mostram-se estarrecidos e indignados com o deslizamento gradual do carrinho de bebê pelas escadas, mostrando que, mesmo nas piores situações, há solidariedade entre os humildes.
A única cena em que aparece o rosto de um cossaco é justamente no assassinato do bebê, quando o soldado dá um golpe fatal na câmera, como se liquidasse o próprio expectador com o gesto cruel.
Mais uma vez, utilizando o recurso de economia das imagens, a montagem deixa implícito que não havia sobrevivido nenhum cidadão em Odessa, quando surge o Encouraçado Potemkin e destrói toda a cidade. Subentende-se assim que apenas os cossacos estariam vivos para serem destruídos pela ira dos canhões da embarcação. Alegoricamente, pode-se interpretar a partir desta seqüência que a guerra entre o Estado e o povo levará, inevitavelmente, à destruição de ambos.
“As intervenções abruptas e violentas da montagem eisensteiniana quebram a ‘objetividade’ simulada, comprometendo portanto a ilusão de ‘realidade’: a técnica aparece, os recursos se mostram abertamente, o cinema se exibe como produção de sentido”.
A Importância de Eisenstein no Cinema
Eisenstein é considerado uma das grandes referências da técnica da montagem no cinema, sendo a mesma responsável pelo vigor dramático de seus filmes. O cineasta propõe o uso constante da montagem por ele chamada de intelectual, a qual propunha o conflito e a justaposição de planos significativos paralelos.
Foi o precursor da oposição à narrativa e à estética clássica naturalistas. A estrutura convencional dos filmes de sua época seria substituída pela “montagem intelectual” ou “pensamento sensorial”. Neste tipo de montagem, Eisenstein introduz metáforas e elementos simbólicos na linguagem cinematográfica.
Através do manifesto “Perspectivas”, Eisenstein propõe a justaposição de imagens como uma maneira de expressão. Além disso, fez experimentos na linha de Pavlov, utilizando os recursos materiais do filme para explorar a biomecânica, como uma espécie de “espontaneidade condicionada”, testando a reação dos expectadores. Isto nunca havia sido feito no cinema.
Eisenstein também introduziu a idéia de que o efeito provocado pela justaposição de imagens é maior do que a soma destas imagens, por isso valorizava tanto as montagens. Ele também introduziu os pensamentos da dialética de Hegel nas suas produções cinematográficas. Ele foi o grande construtor de conceitos abstratos partindo de elementos concretos.
Em 1926 a Academia Americana de Artes elegeu o Encouraçado Potemkin como o "melhor filme do mundo" e em 1958, a Exposição Internacional de Bruxelas considerou-o "melhor filme de todos os tempos e de todos os povos". Estas homenagens elevam Eisenstein ao rol dos grandes ícones da história do cinema e o caracteriza como o pai da montagem inteligente.
Impressões pessoais
Acho incrível a combinação de símbolos nesta obra, principalmente quando levamos em consideração que ela foi realizada no início do século XX. Apesar de podermos perceber as técnicas inauguradas pelo Potemkin aperfeiçoadas na atual produção cinematográfica, talvez, a abundância dos atuais recursos técnicos tente substituir o papel da dimensão simbólica na arte cinematográfica, ao contrário de enriquecer as possibilidades exploradas por Eisenstein.
Neste filme, acho que o cineasta faz uma boa crítica da violência, tratando-a como uma espécie de aberração que deve ser socialmente recusada, ao contrário da produção americana, que coloca a violência como uma característica essencial do homem.
Gosto da idéia de não existir um único herói no Potemkin, já que no filme o herói é a massa, o povo, a coletividade. Estamos acostumados com filmes de Hollywood, onde os heróis são "personalizados" num formato quase caricatural. Quando vi pela primeira vez o Encouraçado Potemkin, não tinha muita maturidade para fruir a obra. Agora, me considero mais capaz de analisá-la. Porém, até hoje, permanece a aflição com a cena do carrinho de bebê, talvez já como um resultado dos reflexos condicionados explorados pelo cineasta.
4 Comments:
Oi!To fazendo um trabalho sobre eisenstein... vc conhece algum bom site sobre ele?
Carina, vc trabalha com cinema?
Dario Pontes Regis
Vestígio Filmes
dariopregis@gmail.com
+55(21)2242-2248
muito,bom pois consegui tirar 10 no trabalho brigaduuu
CTRL+C e CTRL+V , NÉ?
QUE FEIO!
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