Análise: Casablanca
Por Carina Rabelo
O filme ‘Casablanca’ cria um universo dramático centrado nas reações humanas diante dos mistérios do amor e de outros sentimentos nem sempre explícitos nos indivíduos, que sofrem diante da constante dialética entre as forças dos sentimentos e as forças da razão. A dimensão lírica do intimismo é dada por um tratamento romântico das personagens e situações, explicando todos os acontecimentos básicos da história em função de estados passionais. A ênfase da película está no olhar, no sorriso e nas manias pessoais dos personagens – como a forma de fumar, o jeito de chorar, o sorriso sarcástico ou tímido, nos trejeitos cínicos, etc.
O filme é ambientado num cenário ambíguo, onde aliados e nazistas se suportam sob a constante iminência de um conflito, numa cidade que serve como uma encruzilhada para espiões, opressores e traidores. A cidade de Casablanca é como os personagens do filme: dual, incompleta e defeituosa, onde se busca, acima de tudo, a sobrevivência. Apesar de a obra permear o episódio da segunda guerra, o filme não fala de guerras, mas de um amor mal resolvido, que ficou em Paris. É importante ressaltar neste filme a utilização das estratégias apelativas das ‘difíceis escolhas, quando o personagem de Humphrey Bogart desiste de Ingrid Bergman para contribuir com a causa da vitória sobre os nazistas. A escolha é enquadrada dentro desta perspectiva de apelo emocional, não por um viés meramente histórico ou social, afinal, não se trata de uma obra realista.
Outro ponto de convergência é a construção dos personagens. Eles não são moralmente impecáveis, não há heróis infalíveis repletos de pureza ou inocência. Os personagens são humanos e cheios de falhas. Rick (Bogart), por exemplo, é apresentado como um homem admirado, respeitado, porém, no íntimo, é uma pessoa desapontada, ferida e ressentida, além de ser alcoólatra e transitar facilmente no mundo da corrupção e agenciar o tráfico de salvo-condutos (documento falsificado que viabiliza a entrada de qualquer pessoa em qualquer país). No entanto, nenhum dos personagens é mau. Alguns são cínicos, outros mentem, alguns matam, mas todos são redimidos.
A música também tem uma relevância especial no toque intimista da obra. A canção “As Time Goes By” é apresentada em diversos estilos durante todo o filme e marca a relação da dupla romântica. O próprio título – ‘enquanto passa o tempo’ – ilustra a história mal resolvida e não solucionada do casal, que apenas será entendida ‘com o tempo’. O fundo musical, acompanhado de uma seqüência de close-ups, mostra a intensidade dos ressentimentos, dos pesares e das lembranças de um amor que foi verdadeiro. Esta música não simboliza nada para qualquer outro personagem, apenas para o íntimo do casal.
Pela perspectiva do intimismo, poderia se esperar um final romântico e feliz. Mas não é o que ocorre. O enredo do filme transcorre por todo tempo valorizando os aspectos dos sentimentos amorosos, mas no final, o que prevalece é um ato de moralidade, quando Rick permite que Ilsa (Ingrid Bergman) fuja com Victor Laszlò (herói da resistência francesa), aproximando-se assim do ‘moralmente bom’, do ‘homem nobre’. Um dos aspectos mais interessantes desta obra intimista são os diálogos econômicos e cínicos e a forma indireta com que os efeitos emocionais são obtidos.
Nos dias atuais, o intimismo se desenvolve com mais força no Japão, onde utiliza consagradas fórmulas do romantismo para elevar as tradições da sociedade nipônica.
O filme ‘Casablanca’ cria um universo dramático centrado nas reações humanas diante dos mistérios do amor e de outros sentimentos nem sempre explícitos nos indivíduos, que sofrem diante da constante dialética entre as forças dos sentimentos e as forças da razão. A dimensão lírica do intimismo é dada por um tratamento romântico das personagens e situações, explicando todos os acontecimentos básicos da história em função de estados passionais. A ênfase da película está no olhar, no sorriso e nas manias pessoais dos personagens – como a forma de fumar, o jeito de chorar, o sorriso sarcástico ou tímido, nos trejeitos cínicos, etc.O filme é ambientado num cenário ambíguo, onde aliados e nazistas se suportam sob a constante iminência de um conflito, numa cidade que serve como uma encruzilhada para espiões, opressores e traidores. A cidade de Casablanca é como os personagens do filme: dual, incompleta e defeituosa, onde se busca, acima de tudo, a sobrevivência. Apesar de a obra permear o episódio da segunda guerra, o filme não fala de guerras, mas de um amor mal resolvido, que ficou em Paris. É importante ressaltar neste filme a utilização das estratégias apelativas das ‘difíceis escolhas, quando o personagem de Humphrey Bogart desiste de Ingrid Bergman para contribuir com a causa da vitória sobre os nazistas. A escolha é enquadrada dentro desta perspectiva de apelo emocional, não por um viés meramente histórico ou social, afinal, não se trata de uma obra realista.
Outro ponto de convergência é a construção dos personagens. Eles não são moralmente impecáveis, não há heróis infalíveis repletos de pureza ou inocência. Os personagens são humanos e cheios de falhas. Rick (Bogart), por exemplo, é apresentado como um homem admirado, respeitado, porém, no íntimo, é uma pessoa desapontada, ferida e ressentida, além de ser alcoólatra e transitar facilmente no mundo da corrupção e agenciar o tráfico de salvo-condutos (documento falsificado que viabiliza a entrada de qualquer pessoa em qualquer país). No entanto, nenhum dos personagens é mau. Alguns são cínicos, outros mentem, alguns matam, mas todos são redimidos.A música também tem uma relevância especial no toque intimista da obra. A canção “As Time Goes By” é apresentada em diversos estilos durante todo o filme e marca a relação da dupla romântica. O próprio título – ‘enquanto passa o tempo’ – ilustra a história mal resolvida e não solucionada do casal, que apenas será entendida ‘com o tempo’. O fundo musical, acompanhado de uma seqüência de close-ups, mostra a intensidade dos ressentimentos, dos pesares e das lembranças de um amor que foi verdadeiro. Esta música não simboliza nada para qualquer outro personagem, apenas para o íntimo do casal.
Pela perspectiva do intimismo, poderia se esperar um final romântico e feliz. Mas não é o que ocorre. O enredo do filme transcorre por todo tempo valorizando os aspectos dos sentimentos amorosos, mas no final, o que prevalece é um ato de moralidade, quando Rick permite que Ilsa (Ingrid Bergman) fuja com Victor Laszlò (herói da resistência francesa), aproximando-se assim do ‘moralmente bom’, do ‘homem nobre’. Um dos aspectos mais interessantes desta obra intimista são os diálogos econômicos e cínicos e a forma indireta com que os efeitos emocionais são obtidos. Nos dias atuais, o intimismo se desenvolve com mais força no Japão, onde utiliza consagradas fórmulas do romantismo para elevar as tradições da sociedade nipônica.
O Anjo exterminador, filme do espanhol Luis Buñel, se enquadra no movimento do Surrealismo porque obedece aos cânones básicos do estilo, que foi fortemente influenciado pelas teses psicanalíticas de Sigmund Freud. As obras surrealistas mostram a importância do inconsciente na criatividade dos indivíduos e defendem a liberdade da mente humana à lógica imposta pelos padrões comportamentais e morais estabelecidos pela burguesia. Sob esta perspectiva, o filme valoriza os sonhos, as informações do inconsciente e criticam indiretamente a superficialidade da classe burguesa, exatamente como orienta o surrealismo, onde não há uma crítica direta à realidade política e social da época.
Os fatos apresentados no filme não são explicáveis imediatamente. O entendimento se dá a partir de uma atitude reflexiva do conjunto dos eventos e não se sabe se os fatos são reais ou imaginados. O Anjo Exterminador, assim como os demais filmes surrealistas, assemelha-se a um quadro, que não pode ser fruído em suas partes isoladas, mas no ordenamento do todo – especialmente se o todo for constituído por elementos contraditórios, expostos através dos jogos do inconsciente. Outra característica comum entre os fundamentos do movimento e o filme de Buñel é a presença de uma dialética entre o estático e o dinâmico, que mescla momentos de estabilidade na narrativa com momentos de clímax e dinamismo.
Inexplicavelmente, convidados de um jantar não conseguem sair da casa dos anfitriões, como se uma espécie de ‘força oculta’ os prendesse na sala por uma linha imaginária, exatamente como num sonho. Quantas vezes ‘sonhamos’ como sensações de clausura ou prisão sem que, necessariamente, algo de concreto restrinja a nossa liberdade? É assim que se sentem os personagens do “Anjo Exterminador” – eles jamais se certificam do fato de que não podem sair e já se conformam tacitamente com a situação de ‘feitiço’.
O filme “Acossado”, de Jean-Luc Goddard, modificou os padrões cinematográficos da época - como a unidade da montagem e do roteiro, a continuidade dos diálogos e a sutileza dos cortes. O filme instaura a quebra narrativa, prioriza cenas ágeis, utiliza ângulos de câmera fora do comum, testa edições elípticas e introduz cortes rápidos – o que influenciou bastante o cinema americano dos anos 60 – mas, ainda assim, mantém espaço para a reflexão. No entanto, é importante frisar que o aspecto mais relevante deste filme não está no seu conteúdo, mas na sua forma inovadora – o “modo” de contar a história.
Acossado provou aos cineastas da época que era possível cortar um plano-sequência e mostrar o que estava cortado. Era possível mostrar o mesmo plano duas vezes. Era possível experimentar, criar e sair dos eixos do cinema clássico. O cinema foi tratado ineditamente como um material plástico maleável, cuja forma ultrapassava os limites da imaginação. Pela primeira vez, percebia-se conscientemente que o cinema é um instrumento de expressão artística, sem limites, e que o apreciador deve obedecer às condições de fruição específicas que o formato exige.
Um outro aspecto inovador importante é a introdução do anti-herói como protagonista do filme (não há o maniqueísmo do bem x mal), e a quebra dos perfis tradicionais do ‘herói cinematográfico’. Michael Poiccard, protagonizado por Jean-Paul Belmondo, era um ladrão moralmente condenável, não tinha características admiráveis e nem mesmo era bonito - principalmente quando comparado ao estilo de beleza greco-romana exaltada pelos filmes de Hollywood. E assim, Poiccard era perfeito como ‘herói’ da Nouvelle Vague, como um homem comum, um homem contemporâneo. O estilo do filme tem um profundo efeito na história do cinema e abre caminhos para uma estética mais livre e pessoal.
Com esta afirmação, o crítico cinematográfico Arlindo Machado define com clareza a essência da obra de Eisenstein. Para o cineasta, a produção de sentido se configura na forma, no modo como se conta uma história. Desta maneira, Eisenstein consegue provocar sensações através da materialidade fílmica e do jogo rítmico proporcionado pela montagem. Toda a produção de sentido na seqüência da ‘Escadaria de Odessa’ se fundamenta na linguagem simbólica, habilmente ilustrada pela utilização de elementos de contraste – um plano como o negativo do outro – e nos recursos metafóricos.
Tudo começa com os barcos da cidade se dirigindo até o Potemkin para levar suprimentos aos marinheiros. Na seqüência dos barcos, além dos diversos enquadramentos explorados (principalmente os planos geral e de detalhe), percebe-se que a câmara vai para o lado esquerdo enquanto os barcos encaminham-se para o lado direito, o que gera um ‘estranhamento’ visual, como já comentava Arlindo Machado no texto.
Ainda nas manifestações de acolhimento da população, registra-se a presença de membros de todas as classes sociais e de todas as idades. Crianças, velhos, adultos, pobres, ricos, brancos e, até mesmo um negro deficiente, unem-se para saudar o Encouraçado, que se apresenta neste momento como o símbolo de uma “Rússia Unida”, onde não há distinção de classes. A criança apreensiva é aconselhada pela mãe a saudar a embarcação. Nesta cena, há um corte para a bandeira branca hasteada no Potemkin, como um ícone de paz. A criança então presta as homenagens. Mais uma vez, destaca-se a presença do jogo metafórico.
Surgem então os cossacos. A câmara os registra de costas, em 2º plano a uma estátua negra que parece os abraçar. A estátua poderosa simboliza o poder central, o Czar. Encurralados, os moradores de Odessa correm em direção ao mar. Na queda de dois homens atingidos pelos tiros cruéis, a câmara registra a mesma cena por dois ângulos distintos, enquanto uma criança fica cercada pelos corpos caídos, absolutamente sem saída.
Surge então uma das mais belas cenas do filme. A mãe, em prantos com o seu filho ferido no colo, solicita aos cossacos que poupem a população. A cena, numa perspectiva alegórica, faz uma clara referência ao fato histórico real conhecido como o “estopim da revolução russa”. O faminto e miserável povo russo acreditava que o Czar Nicolau II não sabia que eles passavam fome e viviam na miséria. Portanto, decidiram escrever uma carta mostrando-lhe a situação, na esperança de que o imperador se sensibilizasse e os ajudasse. No entanto, ao receber a carta, o Czar considerou a iniciativa uma insolência e ordenou aos cossacos o imediato extermínio de todos. Os cossacos se postaram e, ao grito de permissão para atirar, massacraram toda a população. A cavalaria completou o extermínio cegando, com furos nos olhos as crianças e mutilando o ventre das mulheres grávidas. A seqüência da Escadaria de Odessa faz uma representação exitosa deste fato histórico.
Eisenstein é considerado uma das grandes referências da técnica da montagem no cinema, sendo a mesma responsável pelo vigor dramático de seus filmes. O cineasta propõe o uso constante da montagem por ele chamada de intelectual, a qual propunha o conflito e a justaposição de planos significativos paralelos.
O filme "Ladrões de Bicicleta" é considerado um dos maiores expoentes de um movimento cinematográfico italiano conhecido como "Neo-realismo". A principal característica do neo-realismo é abordar a realidade diária, o cotidiano e as dificuldades das classes menos favorecidas de maneira simbólica, inaugurando um estilo intermediário entre o real e o documentário. Procurava-se “filmar com estilo uma realidade não estilizada”, o que provocou uma profunda mudança estética e ideológica no cinema. Os atores não eram profissionais, na maioria das vezes, eram pessoas comuns selecionadas no meio da rua.
Também era uma característica do neo-realismo a crítica à indiferença e à crueldade das autoridades com o povo. Mostrava concretamente e sem economia dramática as duras conseqüências sociais do regime fascista. É marcado por uma forte crítica ao confronto existente entre a sociedade de consumo e a classe pobre, explicitando as contradições e propondo um novo modo de abordagem estética dos diversos elementos fílmicos. O neo-realismo foi responsável por uma grande ruptura com as convenções artísticas e sociais da época.
O filme não peca pelo humanismo, mas pela caricatura “moralista” e pela tendência ao exagero nas “tragédias” vivenciadas pelos personagens. Ricci, protagonista que tem sua bicicleta roubada, é representado como um ser humano de índole “impecável”, pois, apenas no último momento - depois de esgotadas todas as tentativas, algumas até folclóricas, de recuperar sua bicicleta – ele pensa na possibilidade de roubar o veículo. E esta decisão não vem fácil, resulta de um “dilema quase insuportável”, quando o “herói” leva horas andando de um lado para outro até tomar coragem para praticar o furto. E, desastrosamente, no momento em que decide fazê-lo, toda a cidade de Roma parece assistir à cena e, em conjunto, os cidadãos saem em sua captura.
O filme também se enquadra na estética realista quando opta por atores não-profissionais, ambienta a trama nas ruas e praças da cidade de Roma e pontua temáticas universais, como o homem que ama a sua família e quer sustentá-la; o ciclo de roubos e miséria como resultado da má distribuição de renda numa sociedade; e as privações financeiras de um indivíduo como porta de entrada do mesmo para a criminalidade. A obra também contrasta com as produções cinematográficas feitas até aquela época (1948), que privilegiavam na temática central o enfoque burguês.
